domingo, 14 de agosto de 2011

De Pessoa

"Encontro às vezes, na confusão vulgar das minhas gavetas literárias, papéis escritos por mim há dez anos, há quinze anos, há mais anos talvez. E muitos deles me parecem de um estranho; desconheço-me neles. Houve quem os escrevesse, e fui eu. Senti-os eu, mas foi como em outra vida, de que houvesse despertado agora de um sono alheio.
"É freqüente eu encontrar coisas escritas por mim quando ainda muito jovem – trechos dos dezessete anos. E alguns têm o poder de expressão que me não lembro de poder ter tido nessa altura da vida. Há em certas frases, em vários períodos, de coisas escritas há poucos passos da minha adolescência, que me parecem produto de tal qual sou agora, educado por anos e coisas. Reconheço que sou o mesmo que era. E, tendo sentido que estou hoje num progresso grande do que fui, pergunto onde está o progresso se então era o mesmo que hoje sou.
"Há nisto um mistério que me desvirtua e oprime".

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego



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