quarta-feira, 15 de julho de 2009

O bunner

O pôr-do-sol indicava o fim de mais uma jornadada de trabalho. Hora de ir para casa.
Ela estava no ponto de ônibus com o seu companheiro inseparável daquele dia: o bunner. Não era pesado, mas um volume bastante incômodo de transportar, principalmente para quem estava apinhada de livros.

Ficou feliz ao avistar, ao longe, o seu ônibus. Quando ele chegou mais perto, sua felicidade tornou-se dupla; apesar do horário, estava vazio. Passou pelo torniquete e sentou-se.
Em suas mãos, entre os livros que carregava, havia um em especial que estava roubando-lhe atenção desde o dia anterior. Para retomar a sua leitura, era necessário desocupar as mãos, ou seja, acomodar o bunner.

Pelo vidro da janela, percebeu que alguém dentro do ônibus a observava. Era um rapaz. Era bonito. Felicidade tripla. Talvez a produção do dia estivesse dando resultado, e ela iria colher os louros (era um dia daqueles nos quais ela acordara bem disposta e decidida a sair de casa bonita; escolheu roupa e acessários meticulosamente, caprichou na maquiagem. Precisava alimentar o seu ego com alguns olhares e elogios do sexo oposto).

Sim, o bunner. Primeiro tentou acomodá-lo na fenda entre as cadeiras, mas, na primeira parada do ônibus... lá se foi o bunner, deslizando suave entre as fendas e escapando para o chão. O rapaz continuava olhando. Ela acompanhava pelo reflexo na janela.

Segunda tentativa: colocar o bunner deitado no colo. Seria perfeito, se o bunner não fosse comprido de mais a ponto de alcançar o corredor... O rapaz ainda olhava. Ela, ainda acompanhando pelo reflexo, estava meio lisonjeada e meio sem graça. Ele tinha dois livros grossos no colo, uma pasta preta sobre o banco e um livro mais fino nas mãos. Parecia estar estudando. E ela queria ler também.

Mais uma tentativa: acomodar o bunner na fenda entre o canto e a cadeira... Nada feito! Muito estreito... Ela olhava para o livro... mas o bunner...

Resolveu colocá-lo entre as pernas. Como não havia pensado nisso antes?! Agora sim poderia ler. Um parágrafo, uma página, outra página... relaxou... esqueceu-se do bunner... relaxou as pernas... bunner na cabeça!!

Trágico ou cômico? O rapaz ao lado observava tudo. Ela aproveitou a oportunidade para estabelecer algum contato. Olhou para ele e deu o seu melhor sorriso...

Ele arregalou os olhos e não moveu mais nenhum músculo da face. Abaixou a cabeça e retornou à leitura com uma concentração desconcertante. Tão desconcertante que ela ficou desconcertada. E ele não olhou mais.

Ela desistiu do livro. Abriu a bolsa e pegou o ipod. Fone no ouvido, livros no colo e ele, o bunner, confortavelmente acomodado, tendo para si o cuidado das duas mãos que lhe serviram o dia todo.