domingo, 19 de outubro de 2008

Banho de vento

Ela estava chateada. Andando com pressa. Pisando duro. Irritada. Ele sabia que isso a aborrecia muito... Aquele riso deliciosamente maldoso no canto da boca... Parecia ser proposital. Ela continuava caminhando. O rosto fechado. A expressão zangada. Para que insistir naquilo?

O tempo prometia chuva.

Rua deserta. Tempo nublado. Apenas os carros passavam extravasando as potências contidas pelos engarrafamentos de segunda à sexta. “Hoje é domingo - lembrou-se”.

Ainda estava longe, quando viu que o semáforo acabara de fechar. Não daria tempo. Uma longa espera até ele fechar de novo. Na rua deserta, pairava um leve clima de solidão e medo.

Sentiu o ar mais úmido. E o ar úmido pôs-se em movimento, chacoalhando as folhas dos arbustos ao longo da avenida. Não sentiu frio. Um arrepio gostoso percorreu-lhe o corpo.

O balanço do vento arrebatou dos arbustos algumas folhas meio secas, ansiosas por voar. E ela viu-se submersa, mergulhada nas minúsculas folhas que envolviam seu corpo, que roçavam seu rosto... Que encantavam seus olhos, brincando de rodopio com o vento, bailando no ar. E o vento quis trazer também consigo delicadas gotículas de chuva...

Estava totalmente envolvida, entre folhas, gotículas e vento... Que vontade de abrir os braços e voar! Que vontade de abrir os braços e sorrir! Quanto receio de parecer louca! Aos pouquinhos, a vontade de ser trespassada pelo vento foi vencendo o pudor de parecer louca, e ela, bem devagarzinho, abriu os braços e sorriu...

Lamentou a calça jeans. Desejou um vestido leve e solto que lhe permitisse sentir o frescor do vento em suas pernas. Agradeceu ao tempo por lhe ter dado um presente de outono em pleno verão.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Pulsante


Pulsante de amor e emoção
Por vezes doído e dilacerado
Segue meu pobre coração
Entre as vias do amar e ser amado

sábado, 4 de outubro de 2008

Menina


Menina de olhos azuis,
Por que choras tanto?
Ainda não encontraste
Maneira de calar teu pranto?

Choras porque o colibri,
Que trouxe no canto a melodia do amor,
Te deixou?

Ou será que a pomba, de plumagem branca,
Que trouxe no bico as rosas de tua vida
Bateu asas e voou?

Menina de olhos azuis,
Pare de chorar!
Não percebes que assim
Teus lindos olhos irão se afogar?

Não chores nunca mais!
Oh menina de olhos azuis!
Pois, se os seus olhos se afogarem,
Nem o colibri cantor,
Nem a pomba de plumagem branca
Poderão salvá-los.
E se isto acontecer,
Oh, menina de olhos azuis!
Eu nunca mais poderei contemplá-los.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Repartindo

Maria

Onde vais à tardezinha,
Mucama tão bonitinha,
Morena flor do sertão?
A grama um beijo te furta
Por baixo da saia curta,
Que a perna te esconde em vão...

Mimosa flor das escravas!
O bando das rolas bravas
Voou com medo de ti!...
Levas hoje algum segredo...
Pois te voltaste com medo
Ao grito do bem-te-vi!

Serão amores deveras?
Ah! Quem dessas primaveras
Pudesse a flor apanhar!
E contigo, ao tom d’aragem,
Sonhar na rede selvagem...
À sombra do azul palmar!

Bem feliz quem na viola
Te ouvisse a moda espanhola
Da lua ao frouxo clarão...
Com a luz dos astros — por círios,
Por leito — um leito de lírios...
E por tenda — a solidão!

Castro Alves