sábado, 27 de setembro de 2008

Quando sei que estou apaixonada



Quando a vida se torna mais colorida.
Quando o cansaço é vencido pela simples lembrança de alguém a quem se quer bem.
Quando o pôr-do-sol não é apenas mais um entre muitos.
Quando tenho vontade de dançar na chuva, de pular feito criança.
Quando falo com as paredes.
Quando o vento penteia meus cabelos e a brisa acaricia meu rosto.
Quando me pego rindo sozinha por algo que eu disse, ou não disse; por algo que fiz ou deixei de fazer.
A alma flutua. O corpo não anda, baila leve.
Os meus pés? Não caminham, deslizam.
O caminhar é todo de passos de um bolero dançado nas nuvens.
Os sentidos são aprimorados: o som tem cheiro, o gosto tem cor, o cheiro tem textura, o tato é audível... E eu, ainda tonta com essa tessitura, aprendo a enxergar o mundo com outros sons...
O corpo não obedece, a coordenação desaparece. Todos os sistemas – do ósseo ao nervoso – elegem como seu senhor esse a quem eu quero bem. Na presença, estremece. Na ausência, a menor recordação é o dispositivo que aciona um sorriso largo que custa em querer deixar o rosto. Reações químicas, conseqüências físicas, sintomas do estrado febril, frenético da alma.
Qualquer música faz recordar. Todas – todas mesmo – têm alguma coisa a ver, dizem um pouquinho da minha história.
A ânsia do encontro... o medo de olhar... a curiosidade em saber se existe um pouquinho de mim dentro de você.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Cacos de tempo


Estilhaços pontiagudos,
Engrenagens desengrenadas,
Frações esparramadas.

O laço frouxo se desfez.
O tempo deslizou.
Beijou o chão.
Desnudou-me.

Ponteiros não apontam.
Pontas soltas,
Sem eixo, sem nexo.

E já não há...
Não há compasso,
Não há sem passo:
Aqui o tempo não passa, jaz.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Poesia


Poesia é coisa da alma.
É o sensível
deformado,
recortado,
mutilado,
pregado,
reformado,
emanado
das entranhas do meu ser,
do âmago de mim mesma.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Esfinge


Eu oculto no plural
O que quero lhe dizer no singular.
Reclamo o todos nós,
Quando anseio apenas o nós dois, a sós.
Enquanto meus lábios escoam desejo,
Sovo-te com minha língua ferina.
E meu olhar, para não denunciar-te o que és, finge.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Por um laço de fita...


Gosto muito de passear pelo site Domínio Público. É um ambiente recheado de coisas interessantes - e, o melhor: disponíveis para download! Fico a procurar obras dos meus autores prediletos. Outro dia, eu acessei a página em busca de obras de Castro Alves, meu amor platônico. Baixei a obra Espumas Flutuantes. Um deleite a cada verso, a cada estrofe, a cada poema.
Em um momento da leitura meus olhos pousaram sobre o poema O Laço de Fita. Mais um suspiro, desta vez bem longo e profundo. Fiz uma viagem no tempo. Voltei aos meus onze anos de idade. Propaganda partidária... Um livro com a capa meio azul-esverdeada... Um poema... Um poeta...
Eu estava de férias em Amargosa, devia ter uns onze anos de idade - não me lembro ao certo. Seria mais uma noite como outra qualquer. Após um dia inteiro de aventuras e pedaladas, de pega-pega e esconde-esconde; um banho e todo mundo – eu e meus primos – em volta da tv para assistir novela. Trivial.
Atenção para o verbo?! Seria mais uma noite como outra qualquer. Seria... Findo o jornal, o anúncio: propaganda partidária obrigatória. Puxa vida!Propaganda partidária obrigatória! Não eram tão hilárias quanto as de hoje; ou talvez fossem e eu agora não me lembro; ou talvez fossem, mas a minha falta de conhecimentos na área de política não me permitissem compreender as piadas na época. Pois bem. Eu não tinha a menor vontade de assistir aquela falação. Acho que os outros também não tinham, já que a televisão foi desligada. Eu necessitava fazer algo que me distraísse, que ajudasse a passar o tempo.
Na sala da casa da minha tia havia uma estante com vários livros arrumados na prateleira mais alta, dentre eles uma coleção de antologias poéticas com textos da literatura alemã, inglesa e portuguesa.
Ler. Por que não? A estante piscava para mim.
Motivada por alguma coisa da qual não me lembro agora, peguei os livros meio azul-esverdeado – a coleção de antologias poéticas – e sentei-me no chão com eles no colo. Folheei, folheei, folheei, até me deter no volume de literatura portuguesa. Passei o olho em alguns versos, li outros, e me enrosquei em um laço de fita.
O laço de fita, de Castro Alves, que texto mais lindo! Quanta delicadeza, quanta sensibilidade, quanto afeto! Em minha imaginação, o laço de fita ganhava características de borboleta: leve, colorido, pululante, cheio de vida. Ah!Em minha imaginação ele era rosa. Como era possível falar de amor daquele jeito!? Como era possível... Um simples laço de fita, um simples objeto... Apesar de namorar palavras, ainda não tenho intimidade suficiente com elas para tornar comunicável o que o poema me causou e o que essas lembranças me fazem sentir agora.
Ao final daquelas férias, levei um dos livrinhos meio azul-esverdeados comigo. Em minha casa, copiei vários poemas de Castro Alves no meu diário - afinal, uma hora teria que devolver o livrinho aos seus donos, e eu já não conseguia viver sem aquelas palavras.
Visitas a uma biblioteca pública me mostraram outros poemas de Castro Alves e outros poetas. Na escola, estudar literatura ganhou outro sentido para mim. Tornou-se um dos meus assuntos preferidos. Cada vez mais eu gostava de poesia, comecei até a rabiscar uns versos. Hoje gosto de muitos poetas, porém a minha dileção por Castro Alves permanece. Seus versos estão na minha agenda, no meu armário, na minha memória, na minha vida.
Recentemente, em casa de minha tia, revisitei o livro meio azul-esverdeado. Surpresa: não encontrei O laço de fita. Olhei o livro de ponta a ponta; todas as páginas estavam no lugar, e nenhum laço de fita. Acho que me embaralhei em minhas lembranças...
Talvez, ou melhor, provavelmente tenha me aproximado de Castro Alves por outros poemas contidos no livrinho, mas foi O laço de fita, com certeza, que me fez cativa dele definitivamente. Um cárcere no qual a prisioneira deseja manter-se presa ao seu carrasco. O laço de fita prendeu Castro Alves, e Castro Alves prendeu-me à poesia com seu laço de fita.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Ônibus, celular e idéias

Para mim, o transporte coletivo é um meio muito fecundo. Acho que as melhores idéias que já tive foram a bordo de um ônibus: o mote ou o verso para começar um poema, a idéia-chave para a conclusão de um artigo, a compreensão de um conceito que parecia incompreensível...

Ao despontar uma idéia, procurava desesperadamente papel e caneta em minha bolsa para virtualizar minha memória – era um desespero frenético, pois as minhas idéias são muito fugazes; quando menos se espera elas batem asas e vão embora. Quem acompanhava a cena certamente imaginava-me louca. Principalmente ao observar as minhas incansáveis tentativas de escrever em com o veículo em movimento. Saía cada garrancho! Em pensamento eu desejava: “tomara que feche o sinal”, “tomara que alguém peça o ponto”. Ás vezes, entre a busca do papel e da caneta, uma parte da idéia era perdida, ou então eu mesma não conseguia decifrar os garranchos. Ô aperreio! Porém, penso eu, acho que agora encontrei uma forma de lidar com essas idéias danadinhas...

Há pouco tempo, comprei um telefone celular novo. Das muitas diferenças entre o meu aparelho anterior e o atual, esta é a melhor: a possibilidade de criar notas com até 3.000 caracteres! Isso corresponde a mais da metade – 80% – de uma página tamanho A4, escrita em fonte 12, e eu posso criar mais de 10 notas. No fim das contas, dá para escrever umas oito páginas.

Que maravilha o celular! Posso registrar os meus devaneios, uma idéia que não quero ver perdida, com a maior facilidade, sem ser notada por ninguém. O movimento do ônibus não interfere mais, na verdade ele nem é percebido, e, quando eu nem vejo, já cheguei ao meu destino, carregada de textos em meu bolso. Antes, na luta com a caneta e o papel, eu registrava um verso, tópicos, pontos importantes para serem desenvolvidos em momento oportuno. Agora eu escrevo parágrafos, estrofes, poemas completos. Por que é que eu não havia pensado nisso antes? Quantas idéias não teriam escapulido? Quantos versos registrados?

Ultimamente tenho pensado bastante, e trabalhado também, para comprar um carro – sair de casa mais tarde, chegar mais cedo –; aproveitar mais o meu tempo de estudo. Acho que vou desistir da idéia... Com um celular meio “note-book” e uns livros, o ônibus pode ser um local de estudo. Até o engarrafamento diário será menos entediante.

Para os meus companheiros de idéias fugidias, deixo uma dica: use o celular. Se a idéia for muito grande, como é o caso desse texto, que foi escrito enquanto eu me deslocava para o trabalho, os dedos irão doer um pouco. Mas o que é uma dorzinha na ponta dos dedos ante a felicidade de uma idéia?

Mas nem tudo são flores... Para não dizer que não falei dos espinhos1, pensemos em nossas cidades tão violentas. Há um grande risco de o celular ser roubado por algum ladrão observador da minha peripécia. Dói imaginar: eu descendo do ônibus, sendo abordada e... Ô aperreio! Depois de tanto trabalho para não deixar as idéias escapar, vê-las ser levadas por alguém que, provavelmente, não vai aproveitá-las; fugindo presas no bolso do larápio.

1 Em alusão à música de Geraldo Vandré.