terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Parte 3


Jogando conversa -
ou a moça, o romântico, o introspectivo e o fazendeiro


- Adorei o poema, mas... só você mesmo! Disse a moça, rindo e bebericando o vinho.
O romântico deu voz à interrogação estampada em sua testa.
- Por que dizes isto?
- Você é a única pessoa que eu conheço capaz de usar um objeto insignificante para fazer uma declaração de amor.
Ambos riram.
- Mas, agora, ele perdeu a insignificância. Tornou-se um elo que me une à minha amada.
- E o que ela achou do poema? Perguntou a moça, curiosamente.
- Não sei, senhorita.
- Não sabe?! Como assim? Ela não disse nada?
O romântico ajeitou-se na espreguiçadeira, contemplou a taça de vinho que tinha nas mãos, e respondeu, sem tirar os olhos da taça.
- Como poderia dizer, se não o leu?
A curiosidade da moça cedeu lugar a um leve desapontamento. O romântico prosseguiu.
- Não lho dei.
O desapontamento da moça tornou-se mais denso.
- Não? Qualquer mulher ficaria lisonjeada com aqueles versos.
- Decerto que sim... Talvez, algum dia, recitá-lo-ei à beira da marquise do quarto de dormir. Então poderei ouvir o que ela tem a dizer sobre o poema ou correr de um banho frio.
A moça olhava atentamente para o romântico.
- E por que não o fazes?
- E por que haveria de fazê-lo?
- Ainda que não lhe corresponda o afeto, ela gostará do poema. Além do mais, para quê um poema dedicado, se a musa não irá conhecê-lo?
O romântico levantou-se; pegou o chapéu sobre o piano. Entregou a taça vazia à moça e beijou-lhe a mão.
- Ao poema basta ser poema. A mim, me basta exprimir com intensidade o que sinto.
Pôs o chapéu na cabeça, e saiu.
A moça ficou imóvel por alguns instantes, pensando. Pela janela, viu o romântico cruzar o portão e ganhar a rua. Percorreu a sala com os olhos, até pousá-los no rolinho de papel. Ela pôs a taça a um canto e pegou o rolinho. Leu o poema mais uma vez.
A coleção de pedras e rolinhos estava aumentando.